sábado, outubro 21, 2006



INSTANTES

Olho no espelho

e vejo um barco

que navega

entre as estâncias orbitais

lunares mais longínquas.

Tenho estado a observá-lo:

nunca pára e,

quando o faz,

fá-lo num ápice.

Volta ao seu rotineiro navegar

e, incessantemente,

chama, chama, chama...

Já o tentei avisar

que D. Sebastião não navega,

cavalga.

Mas não está ainda,

ao meu alcance.

(laurinda Silva, São João da Madeira)

sexta-feira, outubro 20, 2006



EI , VENHAM ALMOÇAR!! A ERVINHA ESTÁ FRESCA!



E OS DIAS NUNCA SÃO IGUAIS

TEMPESTADE ... DA MINHA VARANDA



ESTAS MOSCAS SÃO MESMO ... BURRAS !

domingo, outubro 15, 2006



SOMOS IRMÃOS DOS PÁSSAROS

(ao Chichorro, que pinta sonhos e memórias em cores roubadas ao sol)

Somos irmãos dos pássaros e do Sol e vivemos na terra com saudades do céu. Por isso, na manhã que nascia, o menino negro olhou, lá muito para o alto, donde os pára - quedistas desciam como anjos livres. E ficou grave, cheio de meditação e silêncio. Duas grandes asas nasciam-lhe nos pensamentos e lutavam com a tristeza de saber-se preso a um chão de terra dura. Dura. Oh, tão dura! E sem possibilidades, mesmo vagas, de se libertar e pairar lá em cima, junto dos pássaros e do Sol.

E todos os Domingos, este drama e este exílio. Era sempre o primeiro a chegar ao grande campo de erva rasteirinha. Ali ficava, sentado, pensando, Ícaro em Portugal mil novecentos e oitenta e oito. Até que, um dia, a ideia lhe veio: brilhante, imensa. Comevedora para quem viu e registou, para não esquecer. Com um saquinho de plástico encontrado nas mãos do vento, um fio de cordel e uma pedrinha, o menino negro fez o seu pára - quedas particular . Claro que ele não cabia lá dentro mas sim, todo inteiro, o seu sonho de espaço e céu livre.Compartilhou a ideia com irmãos e amigos e construiram dezenas de pára - quedas.

Vio-os num domingo: a eles e á sua frágil e espantosa invenção. Eram muitos e quase felizes. Enchiam o espaço com as asas breves da sua energia de plástico sujo. Á sua volta, meninos - de - tudo - quanto - desejam - têm, olhavam admirados e invejosos aquele brinquedo novo. Uma mãezinha saiu do seu carro - último - modelo e tentou um pequeno negócio com o inventor:toma estas moedas, passa para cá o teu sonho. Mas o inventor é que não foi em trocas: ele bem sabia que os sonhos não têm preço nem aquelas noites todas em que não dormiu a pensar na maneira de ser irmão dos anjos e dos pássaros como os homens que se atiravam lá do alto, nas manhãs dos domingos melhores da sua vida.

E a senhora insistia no seu negócio, longe - tão longe! - do caminho das aves e das alegrias de um menino de bairro de lata. Irritada com a negativa, esbracejou em voz azeda : "Compra mais de cem sacos de plástico com este dinheiro e fazes mais brinquedos desses para ti e já o menino não fica a chorar de pena ." Mas, nesta altura da conversa, o inventor já corria livre. Livre e descomprometido.

No carro, protegido do sol quente, o filho da senhora limpava as lágrimas de despeito e alimentava, talvez, a sua ainda impressentida semente primeira de ódio e racismo.

No céu, lá muito em cima, os pára - quedas de plástico eram brancas flores, cogumelos ondulantes, beleza - só - porque - sim.

Sorri-me com esta outra face do tempo em que os homens, mesmo os mais desprotegidos, tendem necessariamente para o alto. E, revestindo o menino descalço de símbolos e mistério, vim para casa e escrevi esta crónica urgente de homenagem ao inventor.

(de Maria Rosa Colaço " Não quero ser grande")



O 5 DE OUTUBRO VISTO PELAS CRIANÇAS



E SE NÃO HOUVESSE REPÚBLICA?